Heloísa Albuquerque
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
Olhe só, tem cheiro teu em toda parte. Tem parte de um bolo ali em cima da mesa pra quando tu chegar. Entra devagar que eu vou tá dormindo, sonhando contigo, eu vou estar. Me dá um beijo no ombro e me coloca em teu colo. Depois me conta como foi teu dia assim que me acordar. Não esquece de pôr chá no copo, naquele que eu sempre gosto de tomar. Olhe só, é tanta saudade, e é verdade que eu espero por ti há mais de milhas, e não são essas 20 trilhas de distância que vão nos separar. Faz quase um mês que eu venho todo dia andando parado, e contigo ao meu lado fica mais fácil escolher por onde ir. Quero que saiba também que o que é o nosso tá guardado e o tempo perdido/pausado terá recomeço quando tu estiver aqui. Olhe só, tem cheiro teu em toda parte. Tem parte tua em cada pedaço meu também. Tem meu peito em descompasso, naquele mesmo ritmo que o teu bate quando tu entra no trem pra me ver.
terça-feira, 2 de outubro de 2012
São como correntes de vento vindas de todos os lados, e me acertam. Cada vez mais altas e claras. São roucas, agudas, são ásperas. Tento desviar meus ouvidos, as ignoro. Por vezes caem em meu colo e se espalham, mas na maioria delas tomam conta de meu pensamento e depois de um tempo, meus lábios. Influenciando-me. E quando as recebo de ti, são doces, são gentis. Talvez eu seja mesmo aquilo que não te completa em nada. Uma página virada ou a próxima a ser lida, talvez eu seja aquela sua camisa listrada esquecida, dentro do armário, aquela que eu te vejo usar de vez em quando. Estranho é parar pra pensar no que a gente nem viveu ainda, naquilo tudo que a gente idealiza, cria expectativa e se decepciona. Estranho é pensar no livro já lido ou filme assistido milhares de vezes, com final previsto, tendo como atrativo seus lindos olhos na capa. Difícil é aceitar essa vaga lembrança de saudade.
Mas acho que eu nunca fui muito de dizer mesmo. Eu tenho medo de que eles saibam mais do que eu, sobre mim. E minto. Eu costumava sentar naquela velha escada de madeira do lado de fora da sua casa, aquela da porta dos fundos. Passei quase todas as madrugadas por lá durante o ano todo depois que te levaram. Na maioria das vezes eu apoiava a cabeça nos joelhos e ainda sentia seus lábios na minha nuca. Eu sentia seus dedos gelados passando pelo meu braço, subindo até o pescoço. Cheguei até a me acostumar com as horas que nunca passavam, o dia que nunca nascia, e, me acostumei a ver as coisas por outro lado e tudo. O tempo parou no dia vinte e cinco de junho de qualquer ano e as vezes, mas só de vez em quando eu tenho a impressão de que ele ainda não voltou a passar. Me lembro bem daquele dia. Eu tinha acordado cedo e preparado um café meia boca, café não, um leite com achocolatado e duas torradas. E fazia um frio danado, coloquei uns três casacos e uma calça de malha por baixo do jeans. Meu pai tirou o velho fusca da garagem, me levou até o colégio, e me deu uns trocados. Depois de alguns minutos, uns dez minutos ou menos, sua mãe me ligou e eu ouvia mais barulho de buzinas do que sua própria voz, mas foi fácil perceber pelos soluços que ela estava chorando e não era pouco. Pois é, meu amor. Foi numa merda de curva naquela merda de cidade que mais chovia do que qualquer outra coisa. Só sei que eu passei quase todas as madrugadas por lá durante o resto do ano. Naquela escada de madeira, vendo o mundo de lado.
Ah, eu só sei de mim. E de vez em quando até esqueço de saber, meu bem. Mas guardo no bolso um pedaço de céu para lhe entregar. Acho inclusive, que joguei aqui dentro algumas estrelas também. Eu quero apenas que os ventos cheguem de todos os lados e, tapem de imediato os espaços vagos daquelas minhas velhas perguntas sem respostas. Quero me esparramar nos teus braços, abraços e passar os dedos em teus fios de cabelo, teu pescoço, tuas costas. E sim, quero que saiba que não conheço nem metade do mundo mas lhe carrego comigo pelo resto.
Nessas horas eu acabo escolhendo qualquer altura que seja, e me jogo. O pior de tudo é ouvir o som de todos os teus sorrisos, e imaginá-los. Acho que o pior de tudo é esperar. É, eu sei, é muito pouco tempo, mas, muito tempo perdido. Vai, me dissimula, eu quero é mais daquilo que eu já não tenho. Quero um beijo, quero saber o preço a ser pago por você. E o preço do mundo todo de olhos abertos, atentos, cobertos com aquilo que mesmo com os meus fechados consigo ver. Eu quero menos de você em mim e mais do que qualquer coisa nessa sua insaciável vontade de merda nenhuma, do que eu nem sei dizer. Ah, menina. Se ao menos tu soubesse de tudo o que eu nem sei que sinto. Daquilo que eu nem sei se transparece, mas minto, eu minto tanto pra não transparecer. Se ao menos tu quisesse descobrir o que eu também não sei de mim, e me escolhesse pra ser quem vai te chamar de meu bem, quem vai te mostrar que o céu é muito mais além do que se vê. Acho que o pior de tudo é sentir o gosto do teu sorriso. e imaginá-lo.
Fica mais um pouco. Me pinta de vermelho o rosto com teus lábios pequenos. Seremos aquelas flores amarelas de cortina, ou aquela luz de neblina no começo das noites na primavera. Ah, mas quem me dera ser o motivo do teu sorriso, quem me dera se tu, minha bela, fosse minha de fato. E eu até acho que um dia te caso comigo, eu até já imaginei nós aos domingos numa rede. Venha cá pequena, me dê um beijo na alma e, com calma arrumo minha vida pra tu bagunçar. Venha cá, venha, me mostre todos aqueles mapas enquanto eu ligo o carro e te levo pra qualquer lugar. Venha cá.
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